
Já passou algum tempo desde o primeiro visionamento deste filme (aquando da sua estreia entre nós) e agora, após um novo visionamento, as impressões permanecem: enquanto consumidora de cinema fica-me a frustração pelo que este filme poderia ter sido e não foi; enquanto ser emocional sei que é um filme que não vou esquecer.
As opções ao nível da estrutura narrativa e outros aspectos da realização parecem-me questionáveis, alguns até de gosto duvidoso, mas, por outro lado, a essência da história e da personagem de Christopher McCandless (magnificamente encarnada por Emile Hirsch) tocaram-me de uma forma difícil de descrever. Para muitos, a busca existencial de McCandless é incompreensível, estúpida, arrogante, irresponsável, egoísta e até narcisista. Outros, que olham a vida como algo que transcende a mera satisfação de expectativas sociais, não conseguem ficar imunes ao fascínio da personagem. Um pouco paradoxalmente, este aspecto acaba por se tornar a causa de outra das fraquezas do filme. O óbvio e descomedido fascínio de Sean Penn pela personagem e pelo seu ideal traduz-se numa parcialidade e numa romantização excessivas, que anulam qualquer vestígio de ambivalência presente na personagem e fragilizam a base narrativa.
Apesar das limitações, o filme não deixa de provocar uma forte comoção, alguma angústia e (no meu caso) uma enorme vontade de ler o livro, da autoria de Jon Krakauer, que relata este caso verídico. A nota do autor refere, a determinada altura : "Era um jovem bastante intenso e que possuía uma marca de idealismo obstinado, que à partida não combinava com a vivência moderna. Desde cedo apaixonado pela escrita de Tolstói, McCandless admirava especialmente a forma como o grande romancista tinha desistido de uma vida de riqueza e privilégio para viver entre os indigentes. (...) Quando o rapaz se dirigiu às florestas do Alasca, não acalentara ilusões de se aventurar numa terra de facilidades. Perigos, adversidades e um espírito de renuncia que tinha em Tolstói o modelo eram precisamente aquilo que procurava. E foi o que encontrou, em abundância."
"I read somewhere... how important it is in life not necessarily to be strong... but to feel strong."
O inconformismo de Christopher McCandless radicaliza-se no seio da própria família, que ele considera o arquétipo da sociedade materialista e hipócrita de que deseja alienar-se. Por isso, expurga-se de todas as suas referências, empreendendo uma viagem solitária de auto-descoberta e de reinvenção, em comunhão exclusiva com a natureza mais selvagem. Nesta viagem, Christopher evidencia um idealismo radical algo naif, mas também uma teimosia que o escraviza na persecução desse ideal e um egotismo que não lhe deixa espaço para o desenvolvimento dos afectos.
"What if I were smiling and running into your arms? Would you see then what I see now?"
Chega a estabelecer laços de afecto real, mas apenas transitório, com estranhos que com ele se cruzam na viagem, os quais, de diferentes formas, o confrontam com o radicalismo das suas opções, mas sempre o vêem partir com a mesma determinação.
"I'm supertramp."
A inospicidade do destino escolhido por McCandless está em consonância com a sua concepção radical de purificação e redenção. No velho autocarro abandonado, que baptiza de "Magic Bus" e adopta como lar, inicia a sua existência eremita, ocupando o tempo na labuta diária pela procura de alimento que lhe permita a sobrevivência e lendo os autores que sempre o inspiraram: "Rather than love, than money, than faith, than fame, than fairness... give me truth.”, escreveu no seu diário, citando Thoreau. Esse leitmotiv da sua existência, encontrou-o na lucidez de um último fôlego, e sob uma forma tão radical como o caminho que escolheu percorrer. Numa das últimas páginas do diário desta viagem McCandless escreveu:
"Happiness is only real when shared".