quarta-feira, 30 de abril de 2008

Into the wild

"If we admit that human life can be ruled by reason, then all possibility of life is destroyed.”

Já passou algum tempo desde o primeiro visionamento deste filme (aquando da sua estreia entre nós) e agora, após um novo visionamento, as impressões permanecem: enquanto consumidora de cinema fica-me a frustração pelo que este filme poderia ter sido e não foi; enquanto ser emocional sei que é um filme que não vou esquecer.

As opções ao nível da estrutura narrativa e outros aspectos da realização parecem-me questionáveis, alguns até de gosto duvidoso, mas, por outro lado, a essência da história e da personagem de Christopher McCandless (magnificamente encarnada por Emile Hirsch) tocaram-me de uma forma difícil de descrever. Para muitos, a busca existencial de McCandless é incompreensível, estúpida, arrogante, irresponsável, egoísta e até narcisista. Outros, que olham a vida como algo que transcende a mera satisfação de expectativas sociais, não conseguem ficar imunes ao fascínio da personagem. Um pouco paradoxalmente, este aspecto acaba por se tornar a causa de outra das fraquezas do filme. O óbvio e descomedido fascínio de Sean Penn pela personagem e pelo seu ideal traduz-se numa parcialidade e numa romantização excessivas, que anulam qualquer vestígio de ambivalência presente na personagem e fragilizam a base narrativa.

Apesar das limitações, o filme não deixa de provocar uma forte comoção, alguma angústia e (no meu caso) uma enorme vontade de ler o livro, da autoria de Jon Krakauer, que relata este caso verídico.
A nota do autor refere, a determinada altura : "Era um jovem bastante intenso e que possuía uma marca de idealismo obstinado, que à partida não combinava com a vivência moderna. Desde cedo apaixonado pela escrita de Tolstói, McCandless admirava especialmente a forma como o grande romancista tinha desistido de uma vida de riqueza e privilégio para viver entre os indigentes. (...) Quando o rapaz se dirigiu às florestas do Alasca, não acalentara ilusões de se aventurar numa terra de facilidades. Perigos, adversidades e um espírito de renuncia que tinha em Tolstói o modelo eram precisamente aquilo que procurava. E foi o que encontrou, em abundância."

"I read somewhere... how important it is in life not necessarily to be strong... but to feel strong."

O inconformismo de Christopher McCandless radicaliza-se no seio da própria família, que ele considera o arquétipo da sociedade materialista e hipócrita de que deseja alienar-se. Por isso, expurga-se de todas as suas referências, empreendendo uma viagem solitária de auto-descoberta e de reinvenção, em comunhão exclusiva com a natureza mais selvagem. Nesta viagem, Christopher evidencia um idealismo radical algo naif, mas também uma teimosia que o escraviza na persecução desse ideal e um egotismo que não lhe deixa espaço para o desenvolvimento dos afectos.

"What if I were smiling and running into your arms? Would you see then what I see now?"

Chega a estabelecer laços de afecto real, mas apenas transitório, com estranhos que com ele se cruzam na viagem, os quais, de diferentes formas, o confrontam com o radicalismo das suas opções, mas sempre o vêem partir com a mesma determinação.

"I'm supertramp."

A inospicidade do destino escolhido por McCandless está em consonância com a sua concepção radical de purificação e redenção. No velho autocarro abandonado, que baptiza de "Magic Bus" e adopta como lar, inicia a sua existência eremita, ocupando o tempo na labuta diária pela procura de alimento que lhe permita a sobrevivência e lendo os autores que sempre o inspiraram: "Rather than love, than money, than faith, than fame, than fairness... give me truth., escreveu no seu diário, citando Thoreau. Esse leitmotiv da sua existência, encontrou-o na lucidez de um último fôlego, e sob uma forma tão radical como o caminho que escolheu percorrer. Numa das últimas páginas do diário desta viagem McCandless escreveu:

"Happiness is only real when shared".

terça-feira, 29 de abril de 2008

Tenho frio!

Nos fios tensos
da pauta de metal
as andorinhas gritam
por falta de uma clave de sol...

(Ney Matogrosso)

sexta-feira, 25 de abril de 2008

Ainda há filmes assim...


Nós Controlamos a Noite
Título original: We Own the Night
De: James Gray
Com: Joaquin Phoenix, Eva Mendes, Mark Wahlberg, Robert Duvall
Género: Drama, Thriller
EUA, 2007, Cores, 117 min.






9/10





Sobriedade, contenção, estética clássica depurada.
Um Joaquin Phoenix portentoso. Uma surpresa chamada Eva Mendes. Um trabalho de realização irrepreensível.

Com uma storyline aparentemente simples, a construção narrativa utiliza um modelo subliminar de inserção dos elementos geradores de tensão, de modo que esta se vai apoderando do espectador de uma forma subreptícia, furtiva, mas num crescendo contínuo e sem momentos de desopressão. Ficam na memória a cena da perseguição durante a emboscada e a imagem de Bobby Green saindo da nuvem de fumo onde deixa enterrados o seu passado mas também parte de si próprio.





Sob a temática de um policial negro, somos conduzidos numa viagem subtil aos conflitos que se desenvolvem no âmago da alma humana, quando o "eu" é subjugado face à consciencialização de valores mais importantes do que o individualismo. A evolução da condição de marginal para de a de "herói", apresentada como um processo de automutilação, em que o "menos eu" é necessário para o surgimento de um "eu melhor".





Uma história de crime, de família, de ambivalência e de escolhas. E, em termos pessoais, não há escolhas boas nem escolhas más. Há as escolhas que fazemos, o que determinamos sacrificar em favor do que decidimos ganhar ou conservar. Finais felizes são uma ilusão de óptica.



(imagem DAQUI)



Um dia a lembrar

porque há coisas devem ser sempre lembradas e outras que nunca devem ser esquecidas.






segunda-feira, 21 de abril de 2008

Foto da semana: The times they are a-changin'


Carme Chacón, nova ministra espanhola da defesa, passa revista às tropas.
Tem 37 anos e está grávida de sete meses e muitos já lhe chamam a "ministra bibelot" ou "ministra do politicamente correcto", uma jogada de marketing e de manipulação de opinião pública por parte de Zapatero, que constituíu um governo maioritariamente feminino. Apesar de não perceber nada de política, nem fazer questão de perceber, só que me ocorre pensar que "ou se é preso por ter cão, ou se é preso por não o ter". E também que há os que falam porque têm alguma coisa para dizer e os outros que falam apenas porque têm de dizer alguma coisa.

Cinco dias após a posse, a nova ministra, fez questão de visitar o contingente espanhol no Afeganistão. Um bibelot de armas, portanto.

Come writers and critics
Who prophesize with your pen
And keep your eyes wide
The chance won't come again
And don't speak too soon
For the wheel's still in spin
And there's no tellin' who
That it's namin'.
For the loser now
Will be later to win
For the times they are a-changin'.

(Bob Dylan)

sábado, 19 de abril de 2008

Próxima estação...

Gosto de viajar de comboio. Gosto do som cadenciado que nos embala, enquanto nos vamos dividindo entre o livro que temos nas mãos, o contínuo da paisagem no rectângulo da janela, ou o dormitar de phones nos ouvidos ao som daquelas músicas que nos acompanham para todo o lado. Gosto do conforto dos comboios modernos mas também sinto alguma nostalgia de fazer uma daquelas viagens vagarosas, intermináveis e aos solavancos num daqueles antigos comboios regionais que fazem parte da paisagem de um certo Portugal profundo.

As viagens de comboio remetem-me para momentos de introspecção solitária mas também para horas de convívio, tagarelice e loucuras cuja evocação produz (acto reflexo) um enorme sorriso. Lembrava-me sempre daqueles versos de Fernando Pessoa que Zeca Afonso cantou:
No comboio descendente
Vinha tudo à gargalhada.
Uns por verem rir os outros
E outros sem ser por nada
(...)
No comboio descendente
Mas que grande reinação!
Uns dormindo, outros com sono,
E outros nem sim nem não
(...)

Foi assim tantas vezes!


Gosto de estações ferroviárias, do cheiro das máquinas e dos carris, cheiro que nos desperta memórias felizes, que faz vaguear a nossa imaginação por destinos desconhecidos ou nos deixa antecipar o doce prazer de reencontros.

Gosto das estações antigas, com tanto de fuligem como de história, paredes adornadas de azulejos antigos, o piso puído e manchado pelo tempo, o funcionário de óculos de aros redondos por detrás do guichet, os relógios de ponteiros e os velhinhos bancos de madeira, que qualquer dia serão peças de museu. Estações sem túneis e sem escadas rolantes onde temos de atravessar a linha para passar para o outro cais.
Gosto das estações modernas, buliçosas e fervilhantes, com piso brilhante, escadas rolantes e bancos de metal inoxidável. Estações onde o funcionário de óculos de aros redondos e o relógio de ponteiros deram lugar a painéis electrónicos e máquinas de venda automática de bilhetes. Antigas ou modernas têm em comum esse cheiro característico e a panóplia de pormenores associados: o gabinete (mais ou menos visível, mais ou menos espaçoso e sofisticado) do chefe de estação, os carregadores, os agulheiros, os factores, os cobradores, os passageiros, as malas, as mochilas… e o tal cheiro!

Sinto um fascínio especial pela estação de Santa Apolónia. Lembro-me dela pintada de rosa escuro, aquela cor que resiste à salinidade do ar vindo do estuário vizinho. Mais tarde, acabei por me habituar ao actual azul bebé. Interiormente foi sendo modernizada mas sem adulterações desnecessárias. O odor característico inclui agora algumas nuances de café e pastéis de nata. Como sei que não resisto à tentação, tento sempre chegar uns largos minutos antes da partida do comboio. Absorvo o mais que posso porque sei que agora as minhas passagens por ali são cada vez mais espaçadas. A culpa é dos tempos que nos roubam o tempo e nos obrigam a soluções mais rápidas, mas sempre que consigo trocar as volta ao tempo é bom saber que ela está lá, no mesmo sítio, à minha espera.

Por tudo isto, quando hoje li ESTA NOTÍCIA
senti-me feliz.
(e como é dito num dos comentários, o senhor António Costa que se preocupe mas é em mandar tapar os buracos das ruas da cidade!)





sexta-feira, 18 de abril de 2008

Amigos da onça - II


Enquanto escrevia o
post anterior, ia pensando, aqui para com os meu botões, quão frequentemente utilizamos expressões idiomáticas que permaneceram no léxico ao longo dos tempos, mas cuja origem é quase sempre obscura.

Os
EXEMPLOS são mais do que muitos.

Quanto aos Amigos da Onça... será que a onça não tem amigos?
Lá fui à procura e, ao contrário de muitas outras expressões, cuja origem permanece para mim um completo mistério, lá encontrei uma explicação, por sinal nada daquilo que estava à espera, mas, por sinal, muito lógica e credível. Segundo a nossa amiga Wikipedia, Amigo da Onça é uma expressão de origem brasileira que foi buscar o seu nome a uma famosa (dizem eles...) anedota:

Dois caçadores conversam em seu acampamento:
- O que você faria se estivesse agora na selva e uma onça aparecesse na sua frente?
- Ora, dava um tiro nela.
- Mas se você não tivesse nenhuma arma de fogo?
- Bom, então eu matava ela com meu facão.
- E se você estivesse sem o facão?
- Apanhava um pedaço de pau.
- E se não tivesse nenhum pedaço de pau?
- Subiria na árvore mais próxima!
- E se não tivesse nenhuma árvore?
- Sairia correndo.
- E se você estivesse paralisado pelo medo?
Então, o outro, já irritado, retruca:
- Mas, afinal, você é meu amigo ou amigo da onça?


Ora pois! Muito bem visto sim senhor!



Amigos da Onça

Milan Kundera escreveu no seu livro “A Identidade” que os amigos são as nossas testemunhas do passado, o nosso espelho, permitindo-nos olhar-nos através deles. Por isso a amizade torna-se indispensável para o bom funcionamento da memória e para integridade do próprio eu. Escreve ainda que a amizade funciona como uma aliança contra a adversidade, aliança sem a qual o ser humano fica desarmado. No entanto essa aliança só se cria quando ambas as partes valorizam o que está a ser construído, o que, como sabemos, muitas vezes não acontece.

Cada vez mais os comportamentos relacionais evidenciam egocentrismo, unilateralidade e negligenciação do outro. Talvez o produto de uma sociedade cujas expectativas e conceitos de êxito pessoal e social têm bases profundamente materialistas. A compulsão de corresponder a essas expectativas leva a que muitas vezes as “amizades” se apresentem contaminadas até por sentimentos de inveja. “Envy is a drive which lies at the core of man’s life as a social being, and which occurs as soon as two individuals become capable of mutual comparison.” (Helmut Schoeck). Não é, por isso, de estranhar que o conceito de amizade nos surja hoje algo esvaziado e até corrompido.

What are friends?
Friends are people that you think are your friends
But they're really your enemies, with secret indentities
and disguises, to hide they're true colors
So just when you think you're close enough to be brothers
they wanna come back and cut your throat when you ain't lookin

(-"If I Had" - Eminem )

Tamanha descrença é obviamente retórica, mas a verdade é que os amigos de todas as horas vão escasseando, os amigos das horas difíceis são uma espécie em extinção e, em compensação, os amigos das horas fáceis são cada vez mais ubíquos. Em expansão parecem estar os chamados “amigos da onça”, os falsos amigos… verdadeiros inimigos. Precisam de nós porque nada lhes sobrou de amizades anteriores, estão sempre prontos a estabelecer novos relacionamentos porque não sabem (ou não lhes dá jeito) conservar os antigos, muitas vezes nem conseguem relacionar-se com o seu próprio eu. Precisam do nosso tempo, do nosso calor, dos nossos ouvidos, do nosso ombro, do nosso mundo, dos nossos afectos. Manipuladores, facilmente se tornam irascíveis, quando não agimos em conformidade ou, de alguma forma, interferimos com as suas pretensões.

Não é, pois, de espantar que surja o conflito, já que nem todos somos seres manipuláveis e miméticos. É verdade que o conflito traz geralmente consigo o desamor, a revolta, a mágoa e muitas vezes, fracturas ireversíveis, sendo, por isso, geralmente encarado como uma situação indesejável e a evitar. Há contudo conflitos que devemos assumir em prol da nossa liberdade, da nossa afirmação e do nosso crescimento enquanto pessoas. Por mais que nos custe, algumas das nossas vivências relacionais introduzem nas nossas vidas as figuras do ex-amigo, do candidato a ex-amigo. Quando nos recusamos a aceitar essa inevitabilidade, acabamos confrontados com a nossa cobardia, ao ter de olhar para aquele ex-amigo que ainda não sabe que já o é. E mesmo que essa pessoa tenha deixado de merecer a nossa estima, devemos a honestidade a nós próprios, aos nossos amigos verdadeiros e de longa data e aos valores da amizade tal como a desejamos viver.

“The only way to have a friend is to be one”

quinta-feira, 17 de abril de 2008

"Abananada" é o termo certo...

... para descrever o estado de espírito do dia depois de ONTEM





Assunto encerrado e adepta em greve, (pelo menos) até à próxima época.

Hasta la vista, mancos! :p

quarta-feira, 16 de abril de 2008

I'm Not There


... porque como disse Rimbaud: "Je est un autre".
(declaração mencionada na autobiografia de Dylan "Chronicles")



E é dos vários "outros" que o filme nos fala...

I accept chaos. I don't know whether it accepts me.


A fragmentação da personalidade de um dos artistas mais complexos de sempre. Simultaneamente a perpetuação do mito.

Não se tratando de um biopic (pelo menos de um biopic convencional), algumas das referências escaparão aos mais desconhecedores do universo Dylan, criando alguns vazios ou deixando alguns pontos de interrogação. Para os outros, o filme são 135 minutos de cumplicidade.

Do ponto de vista cinematográfico, é com inspiração que Todd Haynes integra o homem e mito, o real e o surreal, não deixando ninguém indiferente ao fascínio do multifacetismo daquele que é, desde há muito, um ícone maior da história da música popular.

No que toca às interpretações, muito se falou de Cate Blanchett, mas todo o elenco é brilhante. Christian Bale e o jovem Marcus Carl Franklin merecem destaque.

"I'm Not There" nunca será um filme de massas, e pode até nem ser uma obra prima. Para mim, sei que será um filme a rever ao longo dos anos e a guardar naquele espaço destinado aos que, por qualquer que seja o motivo, têm um significado muito especial.

8/10.


domingo, 13 de abril de 2008

Se a minha vida tivesse banda sonora II

Some Other Spring (Billie Holiday)



Some other spring
I'll Try to love
Now I still cling
To faded blossoms
Fresh from worn
Left chrushed and torn
Like the love affair I mourn

Some other spring
When twilight falls
Will the night bring
Another to me?

Not your kind
But let me find
It's not true that love is blind
Sunshine's around me
But deep in my heart it's cold as ice
Love, once you've found me
But can that story unfold twice?

Benfica 0 - Académica... 3!

Finalmente consegui desengasgar...







sábado, 12 de abril de 2008

R.I.P.

Aqueles que amámos e partiram
não foram sós,
não nos deixaram sós.
Deixaram-nos um pouco deles,
levaram um pouco de nós.