sábado, 19 de abril de 2008

Próxima estação...

Gosto de viajar de comboio. Gosto do som cadenciado que nos embala, enquanto nos vamos dividindo entre o livro que temos nas mãos, o contínuo da paisagem no rectângulo da janela, ou o dormitar de phones nos ouvidos ao som daquelas músicas que nos acompanham para todo o lado. Gosto do conforto dos comboios modernos mas também sinto alguma nostalgia de fazer uma daquelas viagens vagarosas, intermináveis e aos solavancos num daqueles antigos comboios regionais que fazem parte da paisagem de um certo Portugal profundo.

As viagens de comboio remetem-me para momentos de introspecção solitária mas também para horas de convívio, tagarelice e loucuras cuja evocação produz (acto reflexo) um enorme sorriso. Lembrava-me sempre daqueles versos de Fernando Pessoa que Zeca Afonso cantou:
No comboio descendente
Vinha tudo à gargalhada.
Uns por verem rir os outros
E outros sem ser por nada
(...)
No comboio descendente
Mas que grande reinação!
Uns dormindo, outros com sono,
E outros nem sim nem não
(...)

Foi assim tantas vezes!


Gosto de estações ferroviárias, do cheiro das máquinas e dos carris, cheiro que nos desperta memórias felizes, que faz vaguear a nossa imaginação por destinos desconhecidos ou nos deixa antecipar o doce prazer de reencontros.

Gosto das estações antigas, com tanto de fuligem como de história, paredes adornadas de azulejos antigos, o piso puído e manchado pelo tempo, o funcionário de óculos de aros redondos por detrás do guichet, os relógios de ponteiros e os velhinhos bancos de madeira, que qualquer dia serão peças de museu. Estações sem túneis e sem escadas rolantes onde temos de atravessar a linha para passar para o outro cais.
Gosto das estações modernas, buliçosas e fervilhantes, com piso brilhante, escadas rolantes e bancos de metal inoxidável. Estações onde o funcionário de óculos de aros redondos e o relógio de ponteiros deram lugar a painéis electrónicos e máquinas de venda automática de bilhetes. Antigas ou modernas têm em comum esse cheiro característico e a panóplia de pormenores associados: o gabinete (mais ou menos visível, mais ou menos espaçoso e sofisticado) do chefe de estação, os carregadores, os agulheiros, os factores, os cobradores, os passageiros, as malas, as mochilas… e o tal cheiro!

Sinto um fascínio especial pela estação de Santa Apolónia. Lembro-me dela pintada de rosa escuro, aquela cor que resiste à salinidade do ar vindo do estuário vizinho. Mais tarde, acabei por me habituar ao actual azul bebé. Interiormente foi sendo modernizada mas sem adulterações desnecessárias. O odor característico inclui agora algumas nuances de café e pastéis de nata. Como sei que não resisto à tentação, tento sempre chegar uns largos minutos antes da partida do comboio. Absorvo o mais que posso porque sei que agora as minhas passagens por ali são cada vez mais espaçadas. A culpa é dos tempos que nos roubam o tempo e nos obrigam a soluções mais rápidas, mas sempre que consigo trocar as volta ao tempo é bom saber que ela está lá, no mesmo sítio, à minha espera.

Por tudo isto, quando hoje li ESTA NOTÍCIA
senti-me feliz.
(e como é dito num dos comentários, o senhor António Costa que se preocupe mas é em mandar tapar os buracos das ruas da cidade!)





2 comentários:

Anónimo disse...
Este comentário foi removido por um gestor do blogue.
À sombra da bananeira disse...
Este comentário foi removido pelo autor.