segunda-feira, 5 de maio de 2008

Não há nada de errado com a tarte de mirtilo!

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O Sabor do Amor
Título original: My Blueberry Nights
De: Wong Kar-wai
Com: Jude Law, Norah Jones, Rachel Weisz, David Strathairn,Natalie Portman
Género: Drama, Romance
EUA, 2007, Cores, 90 min





6/10



Jeremy: Every night it's like this: the chocolate cake and the vanilla dessert are gone, that one and sweet are half eaten, but the blueberry pie remains alone, untouched.
Elizabeth: W
hy? what's wrong with the blueberry pie?
Jeremy: There's nothing wrong with the blueberry pie. it's just that at the end of the night, people made other choices. you can't blame the blueberry pie for that.
Elizabeth: Wait! I want a piece.


Confesso que sou uma completa apaixonada pela estética de Wong Kar Wai.
A forma como capta as imagens e cria interacções perfeitas com as peças musicais são, por si só, capazes de contar uma história. Wong Kar Wai podia fazer um filme mudo e sem necessitar daqueles quadrinhos com os diálogos após cada cena.

A forma como usa a câmara desperta-me o gozo voyeurista de olhar por uma porta ou janela entreabertas ou através de um vidro embaciado, de captar um reflexo num espelho ou perscrutar o que se esconde numa nuvem de fumo de cigarro. O desvendar dos detalhes e de todas as suas nuances, em cada gesto, em cada olhar, em cada sombra, através de movimentos de câmara lenta torna-se quase um processo de degustação de um verdadeiro produto gourmet.

Sou apaixonada pelas suas personagens errantes, que deambulam pela vida à procura de algo que teima em escapar-lhes ou que, muitas vezes, não chega sequer a definir-se. Personagens que não conduzem as suas vidas, sendo antes conduzidas pelo fluir caprichoso da própria vida. Talvez porque Wong Kar Wai faz os seus filmes sem guião.

Em "My Blueberry Nights", Elizabeth é uma jovem confrontada com final de uma relação amorosa, após o namorado a ter trocado por outra pessoa. Encontra por acaso o café de Jeremy, onde após um primeiro desabafo, acaba por se identificar... com a tarte de mirtilo, a tal que no final da noite permanece preterida, porque, apesar de tão doce e saborosa quanto as restantes sobremesas, as pessoas acabam por fazer outras escolhas.

Num ímpeto, decide empreender uma viagem pela América, não sabemos bem se de fuga ou se em busca de algo, e na qual encontra pessoas ainda mais à deriva do que ela própria. É curioso como, neste filme, as personagens secundárias são as que apresentam maior definição e densidade dramáticas. Os seus dramas e a incapacidade para lidar com eles funcionam para Elizabeth como um espelho que reflecte o que a diferencia dos demais, consolidando a sua identidade e fazendo-lhe renascer a auto-estima. Nos dramas alheios e na sua disponibilidade para os partilhar, Elizabeth acaba por se reencontrar.

Ao nível das interpretações, Norah Jones tem uma estreia convincente, encarnando muito bem a personagem, mas o destaque maior vai para a dupla David Strathairn e Rachel Weisz, que interpretam um ex-casal, em eterno desencontro e conflito. Aliás a interacção de Elizabeth com estas personagens (o polícia Arnie Copeland e a sua ex-mulher, e eterna amada, Sue Lynne) é simultaneamente comovente e perturbadora, parecendo-me o segmento mais conseguido de todo o filme.

A banda sonora é, mais uma vez, um elemento indissociável da estética das imagens e dos sentimentos. Para além de um novo arranjo do já conhecido "Yumeji's Theme" de Shigeru Umebayashi, inclui nomes como Ry Cooder, Otis Redding, Cat Power (fantástico como resulta no filme o tema "The Greatest"), Gustavo Santaolalla, entre outros.

"My Blueberry Nights" tem desiludido o público e a crítica como nenhum dos filmes anteriores do cineasta. Está de facto uns patamares abaixo das suas obras maiores como "In The Mood For Love", a sua sequela "2046", "Happy Together" e "Days of Being Wild". Retém contudo a marca indelével e inconfundível do seu autor o que, só por si, é motivo de visionamento obrigatório.

nota importante: EU sou a primeira pessoa que eu conheço a gostar do filme... :p
corolário: logo, presumo que esta minha opinião não deva ser levada em grande consideração.


A quem possa interessar: A Red Carpet do mês de Maio traz um excelente artigo, da autoria de Nuno Gonçalves, sobre Wong Kar Wai e a sua obra.

2 comentários:

Alice disse...

Numa coisa há que louvar o senhor (o Kar-wai, o outro não porque sou agnóstica). Quis fazer uma filme americano e conseguiu-o. Háverá coisa mais americana do que tarte de mirtilo servida em diners?
Quanto ao filme... ainda não vi, mas não acho que seja verdade que ninguém tenha gostado. Conheço pelo menos mais duas pessoas que, a bem dizer, partilham a tua opinião. Nada de especial mas é para ver.

So.Broken disse...

Não desgostei. Será sempre um filme menor na obra do autor, talvez o seu filme menos conseguido (a par de Fallen Angels), mas o pior de Wong Kar- Wai ainda é algo que vale o tempo e o dinheiro de um bilhete de cinema.